O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), disse nesta segunda-feira (9) em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente recebeu, no fim de 2022, uma minuta de decreto que previa a prisão de autoridades e a criação de uma comissão para organizar novas eleições presidenciais.
Segundo Cid, Bolsonaro alterou o documento, “enxugando” o texto e retirando as ordens de prisão para outras autoridades, mantendo apenas a detenção do ministro Alexandre de Moraes.
O depoimento de Cid marca o início da fase de interrogatórios dos réus do núcleo central da trama golpista de 2022 na Primeira Turma do STF.
O militar é o primeiro a ser ouvido por ser colaborador da investigação. Em um momento inusitado durante o interrogatório conduzido por Moraes, o ministro brincou sobre as autoridades retiradas da minuta terem recebido um “habeas corpus”, o que chegou a arrancar risos do próprio Bolsonaro, presente no tribunal.
Mauro Cid teve seu acordo de colaboração premiada homologado por Moraes em setembro de 2023. Em troca de informações sobre a trama golpista, ele solicitou benefícios como perdão judicial ou pena privativa de liberdade inferior a dois anos, além da extensão de benefícios à sua família.
No entanto, em seu depoimento, Cid afirmou ter se sentido frustrado com as interpretações da Polícia Federal sobre suas declarações durante a colaboração.
Ele explicou que tinha um entendimento diferente dos investigadores sobre os fatos que narrava. Ao ser questionado sobre áudios vazados onde fazia relatos de pressão, Cid disse que passava por um momento pessoal complicado, vendo sua carreira militar e vida financeira desabarem.
Ele descreveu os áudios como desabafos críticos, “saindo atirando para todo lado” devido ao momento difícil que ele e sua família enfrentavam.
Cid também confirmou ter recebido uma caixa de vinho cheia de dinheiro vivo do general Walter Braga Netto, ex-ministro, para entregar ao tenente-coronel Rafael de Oliveira. Oliveira é acusado de liderar um grupo que planejou matar Moraes. Cid contou que um amigo (referindo-se a Oliveira) pediu dinheiro e enviou uma planilha de orçamento por WhatsApp, levando-o a pedir ajuda a Braga Netto. Dias depois, Braga Netto entregou uma quantidade de dinheiro, não os R$ 100 mil mencionados, que Cid recebeu no Palácio da Alvorada em uma caixa de vinho e repassou a Oliveira.
Na época, Cid entendia que o plano de Oliveira era apenas mobilizar o acampamento golpista em frente ao QG do Exército, mas a investigação da Polícia Federal concluiu que o plano envolvia prender e assassinar o ministro do Supremo.
Esta segunda-feira marca o primeiro encontro entre Bolsonaro e Mauro Cid no tribunal após dois anos de investigação. Cid, que foi auxiliar próximo de Bolsonaro, tornou-se seu delator.
A versão de Mauro Cid sobre a trama golpista mudou ao longo de seus 12 depoimentos à Polícia Federal. O detalhe do dinheiro entregue por Braga Netto só foi revelado no último depoimento, prestado a Moraes. A Polícia Federal chegou a sugerir o rompimento do acordo de colaboração, alegando que Cid havia mentido.
Contudo, Moraes convocou o militar para esclarecimentos e, diante de novas revelações, decidiu manter a validade da delação. Advogados de outros réus planejam usar possíveis contradições no depoimento desta segunda-feira para pedir novamente o fim do acordo de delação de Cid.
Ministros do Supremo, porém, divergem sobre o efeito de uma eventual anulação do acordo, com alguns defendendo que apenas os benefícios de Cid seriam afetados, e não as provas colhidas. O ministro Luiz Fux já havia levantado reservas sobre as múltiplas delações de um mesmo colaborador, mas concordou em discutir a validade após o recebimento da denúncia.
O tribunal reservou sessões diárias até sexta-feira (13) para ouvir os demais réus, seguindo a ordem alfabética: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Os depoimentos são transmitidos ao vivo pela TV Justiça.