O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deverá se explicar pela primeira vez ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre sua suposta participação na trama golpista de 2022. O depoimento acontecerá em um cenário adaptado na Primeira Turma do STF, que iniciou esta semana uma etapa de audiências com os acusados no núcleo central da tentativa de golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro será questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, que foi um dos principais alvos das ofensivas do ex-presidente contra o tribunal. Moraes será o responsável por conduzir o processo que pode, em tese, levar Bolsonaro à prisão.
As sessões para ouvir os oito réus do núcleo central estão agendadas de segunda-feira (9) a sexta-feira (13). A configuração do plenário da Primeira Turma foi alterada para a fase de depoimento dos réus, parecendo um tribunal do júri, com os acusados sentados lado a lado. Alexandre de Moraes ocupará a tribuna principal, e uma fileira de cadeiras será incluída entre os ministros e a plateia para os réus se sentarem em ordem alfabética. Bolsonaro ficará sentado entre o general Augusto Heleno e Alexandre Ramagem.
O primeiro réu a ser ouvido será Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no caso. Esta será o primeiro encontro de Bolsonaro com Mauro Cid desde que o militar fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. As revelações de Cid foram o fio condutor da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), sendo ele quem confirmou aos investigadores que Bolsonaro convocou chefes militares para discutir planos de reverter o resultado das eleições.
Jair Bolsonaro anunciou na sexta-feira (6) que pretende responder às perguntas em seu depoimento, sem recorrer ao silêncio, que é um direito dos réus. Ele pediu aos apoiadores que assistam à audiência, que ele chamou de “inquisição”. Em suas palavras, “o que aconteceu em 2022 com toda certeza será falado por mim, quando ao vivo estiver no Supremo com cinco ministros na minha frente me cobrando, vale a pena assistir”. Ele completou dizendo que não irá “para lacrar, querer crescer, desafiar quem quer que seja”, mas estará lá “com a verdade do nosso lado”.
A denúncia da PGR acusa Bolsonaro e os demais réus de supostamente liderar um plano no fim de 2022 para evitar a posse de Lula. Durante a Presidência, Bolsonaro acumulou declarações golpistas, provocou crises entre os Poderes, questionou as eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e estimulou uma campanha para desacreditar o sistema eleitoral. Após a derrota, incentivou acampamentos golpistas e reuniu-se com militares e assessores para discutir formas de intervir no TSE e anular as eleições. As principais acusações contra o ex-presidente relacionam-se à edição de minutas de decreto e tentativa de obter apoio dos chefes das Forças Armadas para iniciativas golpistas.
Todos os oito réus respondem pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. A denúncia liga os crimes atribuídos aos réus aos ataques de 8 de janeiro de 2023, afirmando que a multidão bolsonarista foi incentivada por Bolsonaro e seus aliados a atentar contra o Estado.
A defesa de Bolsonaro nega a participação do ex-presidente em crimes. Eles criticam a denúncia da PGR, argumentando que não há provas de ligação entre a suposta conspiração iniciada no Palácio do Planalto e os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023.
O início desta etapa de audiências indica que o processo contra o grupo principal denunciado pela PGR se encaminha para o seu fim. O ritmo acelerado adotado por Moraes para a ação penal tem sido criticado pelas defesas dos réus. As defesas reclamam do pouco tempo entre a fase de depoimento das testemunhas e a inquirição dos réus, o que impede a análise completa do material apreendido pela Polícia Federal. Elas relatam dificuldades em manejar os 77 terabytes de arquivos digitais, que chegaram de forma compactada, com documentos corrompidos e outros sem senha.
O STF, nos bastidores, busca acelerar o processo da trama golpista para julgar o núcleo principal ainda este ano, com o objetivo de evitar que o calendário eleitoral de 2026 contamine o julgamento do caso, que tem forte impacto político.
Os depoimentos dos réus serão transmitidos ao vivo pela TV Justiça. Esta regra difere das oitivas das testemunhas, quando gravações de áudio e vídeo foram proibidas.